Por Rômulo Rocha - Do Blog Bastidores
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ERA SÓ SE IDENTIFICAR, AINDA QUE AUTORIDADE. É O ENTEDIMENTO
- “Toda vez que o agente de segurança pública decidisse realizar uma abordagem no cidadão e este indivíduo fizesse nascer no seu ânimo pessoal a conclusão de que tal abordagem foi decorrente de uma condição particular ou de um preconceito...”, traz a sentença
“A par de tal conclusão, observo que as provas anexadas aos autos revelam que outras pessoas também foram submetidas a tratamento idêntico [pedido de identificação] ao dispensado ao autor, conforme podemos verificar do conteúdo existente”, traz a sentença.
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DETALHES DA DECISÃO QUE PÕE EM XEQUE AS HISTÓRIAS QUE CONTA O PROMOTOR DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ FRANCISCO DE JESUS
A Justiça piauiense, através da juíza Maria Célia Lima Lúcio, do Juizado Especial Cível da Fazenda Pública, absolveu o Estado de Santa Catarina em ação de indenização por danos morais movida pelo promotor de Justiça Francisco de Jesus Lima, do Núcleo das Promotorias de Justiça de Defesa da Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar do Piauí (Nupevid). Segundo o membro do MP-PI, ele ficou transtornado após terem pedido, por duas vezes em dias diferentes, para ele se identificar no prédio sede do Ministério Público de Santa Catarina, quando de um evento público com outros promotores de Justiça, classificando o ato de preconceito racial (injúria racial). O caso à época ganhou ampla repercussão, dada pelo próprio promotor junto aos meios de comunicação.
A juíza destaca que o promotor de Justiça Francisco de Jesus sustentou na ação que “se encontrava em abalos emocionais, chegando a enviar mensagem de texto para o seu filho e para a psicóloga que atua no Ministério Público do Estado do Piauí. Alega o autor que ao final das atividades do dia, dirigiu-se ao hotel transtornado e preocupado com o ocorrido, tendo decidido não sair do local, ante o tamanho do seu sofrimento psíquico, embora tivesse sido convidado pelo grupo participante do evento. Frisa o autor que na sua mente, acreditava que tudo era fruto de preconceito racial e jamais esperava sofrer discriminações no seio do Ministério Público”.
Ocorre que para a juíza Maria Célia Lima Lúcio tratou-se de um simples pedido de identificação para quem adentrava as dependências do Ministério Público de Santa Catarina, que estava sob forte esquema de proteção devido aos ataques e ameaças de ataques a autoridades daquele estado advindas de membros de grupos criminosos à época: um chamado “salve geral” das facções. Algo com ampla repercussão nacional.
“Além disso”, continua a juíza, “enfatiza-se que a mídia depositada na Secretaria do Juízo pelas partes revelam a ausência de qualquer atitude discriminatória por parte do agente público que em nenhum momento utilizou de palavras ou gestos ofensivos, tratando o autor de modo efusivo, com educação e complacência, não encontrando identidade de agir do requerente, vez que este encontrava-se insurgente com as informações e orientações que lhe eram prestadas".
Continua: "No mesmo sentido, entendo que merece ser ressaltado que durante o diálogo travado entre o autor e o agente de segurança, a suposição de preconceito racial e ofensividade aos direitos da personalidade foram trazidas a lume pelo próprio requerente que exteriorizava questionamentos de modo enraivecido a respeito do critério de abordagem”.
“Ao ensejo da conclusão da análise da existência ou não de ato ilícito, cumpre ratificar que entendo ausente qualquer ato ilícito praticado pelos servidores que compõem a segurança e portaria do prédio público do Ministério Público do Estado de Santa Catarina, a luz dos fatos apresentados no presente processo, restando demonstrado no meu entendimento o exercício do estrito cumprimento do dever legal, dentro dos padrões de normalidade, afastando assim qualquer possibilidade de deferimento dos pleitos autorais”, segue a sentença.
“(...) Toda vez que o agente de segurança pública decidisse realizar uma abordagem no cidadão e este indivíduo fizesse nascer no seu ânimo pessoal a conclusão de que tal abordagem foi decorrente de uma condição particular ou de um preconceito, tornaria devida obrigação de indenizar pelo Estado, o que no meu entendimento é totalmente desprovida de regularidade, sob pena de ser inviabilizada o poder de polícia e o estrito cumprimento de um dever legal, qual seja o de garantir a segurança das pessoas”, pontuou a magistrada.
Francisco de Jesus pleiteava a condenação do Estado de Santa Catarina ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 56.220,00.
NÃO PAGOU AS TAXAS PARA RECORRER
O membro do MP-PI chegou a recorrer da decisão e apresentou um recurso inominado. Mas ao que parece não obteve sucesso em sua intenção de continuar sustentando o pleito contra o Estado de Santa Catarina. É que ele não pagou a taxa necessária.
"Considerando a certidão retro informada que a parte autora não se manifestou quanto ao recolhimento da taxa de preparo, deixo de receber o Recurso Inominado interposto”, decidiu o juízo responsável.
O QUE FRANCISCO DE JESUS DISSE EM ENTREVISTAS
Ao Pauta Judicial, Francisco de Jesus Lima disse: “Com mais de 50 anos confesso que nunca tinha sofrido tamanha decepção com a instituição Ministério Público (...). Eu seria capaz de pedir a exoneração do Ministério Público se não tomasse alguma providência, porque não é admissível você, enquanto cidadão, sofrer [injúria racial], imagine um representante que deve zelar pelo enfrentamento a todo tipo de discriminação. Acredito que não tenha partido diretamente dos procuradores e promotores [de Santa Catarina], mas acho que eles também são corresponsáveis”.
Ao G1, da Globo, o promotor de Justiça chegou a dizer: “Ainda esta semana será protocolada também ação por danos morais, porque se eu, na condição de promotor, passei por este constrangimento, imagina um Francisco qualquer. O Ministério Público é o órgão que luta pelos direitos iguais".
Ao Portal GP1, o promotor disse: “jamais esperava sofrer preconceito racial dentro de uma instituição que deve zelar pela igualdade de todos”.
Ao jornalista Douglas Cordeiro, em publicação cujo título era “O Promotor de Justiça Francisco de Jesus fala como foi vítima de racismo em Santa Catarina”, o membro do MP-PI disse: “eu como promotor de Justiça fiquei perplexo tamanha a abordagem que me foi feita”. Mais: “Eu fui ao hotel e não consegui ir para o almoço de congratulação do meu grupo. Preocupado com aquela situação constrangedora”.
"CONDUTA DO AUTOR TEM O CONDÃO DE CHAMAR A ATENÇÃO"
Segundo a sentença da juíza Maria Célia Lima Lúcio, as pessoas que nos dois dias pediram que o promotor se identificasse eram diferentes e estavam zelando pela segurança do local, ainda mais porque, destacou trecho da defesa do Estado de Santa Catarina, ele promotor, supostamente “perambulava” com um celular na mão, dando a interpretação de que: “entendo que a conduta do autor no dia 05/09/2017 atinente a promover o registro de imagens do local, tem o condão de chamar a atenção dos agentes de segurança, ainda que tais atos nos dias atuais façam parte do contexto natural. Ressalto que adoto tal entendimento, a partir dos fatos exaustivamente provados nos autos, quanto aos ataques de organizações criminosas a Instituições Públicas e agentes públicos, conforme documento assinado pelo Coordenador de Inteligência e Segurança Institucional a respeito dos ataques realizados por organizações criminosas na Cidade de Florianópolis-SC e das matérias jornalísticas a respeito dos ataques criminosos realizados em todo o Estado de Santa Catarina”.
A magistrada sustentou ainda: "entendo que a abordagem do autor pela polícia e agentes de portaria não gerou nenhum ilícito indenizável (...). Aliás, tais atitudes são realizadas de forma pública, notória e reiterada nos mais diversos âmbitos da administração pública e das entidades privadas, quando no exercício diário da atividade de controle de acesso as repartições públicas ou instalações privadas, deixa-se de exigir a identificação das pessoas que se sabe exercerem a atividade no local e, nesse sentido, chego até mesmo a ventilar a possibilidade de no dia a dia não existir a necessidade do próprio autor ter que se identificar toda vez que chega ao seu local de trabalho, tendo em vista que a sua figura junto ao órgão em que labuta tenha se tornado pública e notória dispensando qualquer forma de exigência quanto a identificação pela segurança, o que não ocorreria, por exemplo, com qualquer outro indivíduo que não fosse afeto ao trato diário na repartição, sendo, portanto, o caso em análise”.
“Ademais, é também notório o controle mediante a amostragem, através da escolha de determinada pessoa pelo agente de segurança, como certamente já fomos abordados em aeroportos, faculdades e demais locais em que se busca aplicar medidas assecuratórias, o que não significa dizer que existiu preconceito ou discriminação racial ou ofensa aos direitos da personalidade. Destaca-se que em nenhum momento o autor sofreu qualquer tipo de abordagem física, ou seja, não foi submetido a revista intima ou busca pessoal”, acresceu.
NÃO FOI SÓ O PROMOTOR QUEM TEVE QUE SE IDENTIFICAR
“A par de tal conclusão, observo que as provas anexadas aos autos revelam que outras pessoas também foram submetidas a tratamento idêntico [pedido de identificação] ao dispensado ao autor, conforme podemos verificar do conteúdo existente”, reforça a sentença.
Em entrevista ao jornalista Douglas Cordeiro o promotor disse que só ele havia passado por isso. “O senhor não encontrou um caso de nenhum participante que tenha sido impedido de entrar, tenha sido revistado?”, indagou o jornalista “Nenhum, tive a curiosidade de fazer isso”, falou o promotor de Justiça.
Segundo a decisão judicial, não houve revista, mas somente pedido para que o membro do MP-PI se identificasse em meio a um 'salve-geral'.
FONTE; 180 GRAU
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